Grata por ajudar.

quarta-feira, 17 de julho de 2013


Desde criança, um dos meus passatempos preferidos é apoiar as pessoas, ouvir e, se puder, ajudar a achar a melhor saída para um problema.

Não estou escrevendo sobre isso para mostrar a pessoa super legal que eu sou, resolvi escrever porque creio que muita gente não entenda esse meu comportamento. A maioria das pessoas não sabe o bem que isso faz A MIM! Talvez eu possa dizer que ajudo por egoísmo, porque me faz bem.


Aprendi a ouvir minhas primas, acalma-las e faze-las rir, depois passei a fazer o mesmo com minhas amigas, até que um dia, eu me apaixonei e mudei de país...

Durante anos, não tive de quem ouvir histórias, ninguém dividia um segredo comigo e não podia dar conselho ou uma mãozinha amiga para nada! Eu era nova no círculo de amizades e não falava direito a língua. Quantos anos são precisos para ganhar confiança de alguém? E para fazer novos melhores amigos? Muitos, muitos anos!

Senti falta de enxugar as lágrimas de alguém e fazer essa pessoa sorrir, senti falta da cumplicidade de um segredo, senti falta do sorriso de gratidão...

Desde que criei meu blog, passei a sentir-me melhor em relação a isso, pois pude elaborar textos onde o conteúdo são conselhos. Bem ou mal, cheguei ao coração de umas pessoas e recebi sorrisos como recompensa. Meu blog também me levou a muita gente com uma história parecida e uma delas, nesse final de semana deu-me um grande presente, ela pediu minha ajuda em seu casamento. Uma brasileira, casando com um húngaro.

Os dois moram em Dublin, comunicam-se em inglês e por isso, um não sabe a língua do outro, ainda. O casamento seria aqui na Hungria, com a presença da família húngara do noivo e a mãe, a irmã e alguns amigos da noiva. Eu teria o papel de tradutora entre as duas línguas.

Cheguei com meu marido e meus filhos no Hotel, onde no dia seguinte seria a festa, e logo encontrei-me com os noivos. Eu já havia conversado muito com a noiva pelo computador e já éramos amigas virtuais, então foi muito fácil marcar tudo para o dia seguinte. Eu a acompanharia no cabelereiro e maquiadora e depois, na igreja, traduziria o que o padre falaria – para isso, recebi um roteiro do que seria o casamento na igreja.

Aí você deve estar pensando “Que pepino ela foi arrumar!”. Imagina... Eu estava era muito feliz em ver o alívio no rosto da noiva e a felicidade da mãe dela em saber que entenderia tudo. Senti-me novamente no papel de quem pode dar aquela mãozinha para abrir um sorriso, encontrei-me novamente necessária.

Dia seguinte. Acordei, tomei meu banho e o pai do noivo me levou até a cabelereira.

Ao entrar, o alívio no ambiente foi visível, a amiga, a irmã, a mãe e a noiva, todas poderiam dizer o que queriam, sem precisar de mímicas, e a cabelereira e maquiadora, com um grande sorriso, felizes por não terem que decifrar as mímicas. Passei a manhã toda traduzindo cores de maquiagem e tipos de cabelo, conhecendo melhor a família da noiva, acalmando a noiva, que estava uma pilha de nervos porque sempre tem algum pequeno detalhe que não sai como queremos... Realizei-me levantando o astral das meninas.

Na igreja, subi no altar ao lado do padre. Que coisa estranha estar no altar para ser a voz do padre... Não estava nervosa a princípio, pois entendia tudo e tinha minha “colinha” num papel. Porém, aquelas pessoas, pelo menos as que estavam no altar, já não eram desconhecidas e ver a emoção da mãe da noiva, já iniciava as minhas emoções.

O padre começou a missa e chamou-me na hora dos votos e da aliança, para traduzir trecho por trecho. Eu, que comecei calma, passei a fazer aquele papel em minha mão tremer muito e na vontade de que ele parasse de tremer, mais que ele balançava, no entanto, segurei bem na voz.

O casamento húngaro é muito parecido com o que vemos no Brasil, porém, aqui a palavra “esposa” é “feleség”, que significa metade. Então o noivo diz: Eu te aceito como minha metade. E a noiva: Eu aceito ser sua metade. Eu adoro esse detalhe e traduzi ao pé da letra.

Foi emocionante, foi maravilhoso! Casei minha amiga, dei minhas bênçãos, fazendo das palavras do padre, as minhas. Uma coisa que poucos podem dizer que fizeram: casar alguém. E quem ali foi a pessoa mais grata? Eles ficaram gratos a mim, mas eu tive a oportunidade de selar um sonho, tão parecido com o que eu tive um dia e, por isso, eu sabia muito bem o quanto eu era privilegiada por poder fazer esse papel, por ver bem de pertinho o brilho do “sim”.

Na festa, traduzi o que o mestre de cerimônias falava. Ele apresenta todas as brincadeiras, os pratos servidos no jantar, tudo o que deve ser anunciado, com muito bom humor e piadas em versos. Essas, nem sempre foram fáceis de traduzir, mas o clima era de festa e eu prometi ao mestre de cerimônias que no nosso próximo trabalho em conjunto, eu estaria melhor...

Houve dança húngara, realizada por um grupo profissional, contratado como surpresa pela família do noivo, para a família da noiva e todos se emocionaram... As danças húngaras são alegres, mas de alguma forma emocionam, talvez por conta das fortes batidas de pés, que os homens usam para marcar o tempo, talvez porque me fazem lembrar a cultura rica e milenar que aceitei fazer parte... Houve também uma tentativa de samba, proporcionada pelos homens da família do noivo, vestidos de dançarinas muito deselegantes e engraçadas, que ganharam a simpatia de todos na primeira... Um clima incrível de festa de família, que eu tive o privilégio de participar.

Brincadeiras tradicionais húngaras no casamento:

·         O noivo é vendado e a noiva escolhe algumas amigas para que ele tente descobrir, apenas tocando em suas mãos, qual é a sua noiva. Depois a noiva faz o mesmo. (Os dois erraram e isso proporcionou muita risada);
·         A noiva é roubada pelos amigos do noivo e ele tem que fazer alguma prova para recupera-la;
·          Ao invés da gravata, aqui os noivos dançam com os convidados e em cada dança é depositado algum dinheiro numa panela. Depois os convidados jogam uma chuva de moedas, que a noiva tem que varrer para juntar.

Todas as brincadeiras são muito animadas! A cultura húngara mistura-se muito com a festa e isso é um espetáculo à parte.

Participei de pequenos grandes momentos também, como quando a mãe da noiva disse que gostaria muito de agradecer o que a mãe do noivo tem feito pela filha, mas não tinha conseguido até então. Peguei-a pela mão e fui traduzir para a mãe do noivo. Elas se abraçaram, nós três nos emocionamos... Pequenos-enormes detalhes que fazem toda a diferença.

E toda a gratidão, toda a felicidade e emoção, foi sendo traduzida por mim. Cada palavra minha, era capaz de transportar uma cultura para a outra, uma gratidão a outra, um sorriso a outro...

Meu marido ficou muito amigo dos brasileiros. Todos dançaram, beberam pálinka (o destilado de frutas, húngaro) e todos os húngaros gritavam “Saúdeeee!!!”, enquanto nós gritávamos “Pálinkaaa!”. Assim rolou a festa até o amanhecer.

E não é incrível as coisas que podem te acontecer quando você faz um pequenino esforço de abrir a boca e apenas falar o que você entende, para outros que não podem fazer o mesmo? O que custou para mim, para minha família fazer isso? Nada! Ganhamos um final de semana incrível, com pessoas incríveis, fazendo amizades e espalhando sorrisos, olhares de gratidão e algumas lágrimas de felicidade.

Por que eu ajudo?

Porque recebo infinitamente mais do que dou, porque as lembranças daqueles rostos felizes e da frase que eu falei “Eu vos declaro marido e mulher”, jamais sairão do meu coração.

Mais do que uma explicação para quem até agora não entendia meu comportamento, esse texto é minha gratidão. Gratidão pela confiança depositada e pela maravilhosa chance de fazer-me sentir parte de uma grande família aqui, tão longe da minha.

Aos meus novos amigos, um grande abraço e a certeza de que aquele dia os fez inesquecíveis.


Aos noivos, cujos nomes não citei por não querer expor, desejo toda felicidade e que aquele brilho nos olhos - que só eu vi de pertinho lá no altar, na hora do sim - continue eternamente.


PS- Outros costumes não citados no texto:
A noiva troca de vestido à meia-noite, em sinal de sua mudança, de noiva, para mulher. O tradicional é trocar por um vestido vermelho, mas outras cores também são usadas, no caso desse casamento a noiva trocou por um lindo vestido amarelo.
Em alguns casamentos, todos os convidados são recebidos na casa dos pais dos noivos ou local da festa, para uma pequena refeição ou petiscos, depois seguem para a igreja e depois novamente para a festa.
É de costume, em cidades pequenas, que os noivos e os convidados vão andando até a igreja, por vezes acompanhados por uma banda. (Não foi o caso desse, que foi numa cidade grande).
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