Os borrões do tempo.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Ontem, ao anoitecer, andamos um pouco pela cidade, havia uma brisa fresca e passamos por uma rua estreita, antiga, feita de paralelepípedos escuros, a imagem da Europa dos filmes antigos e românticos... Parei e fiquei ali olhando um pouquinho, pensando, sentindo a brisa no rosto e o cheiro da noite. Adoro passar por ruas assim! Da um tipo de saudade de algo que não vive - ou talvez tenha vivido em outra vida, daí o motivo da saudade - mas que me traz muita tranquilidade. Passar por lugares assim me faz pensar num mundo bem mais lento, onde as pessoas andavam, não corriam, onde os detalhes eram importantes, e isso a gente percebe nas casas com estatuetas e enfeites por volta de todas as janelas, uma verdadeira obra de arte. Uma casa, até das mais simples, tinha detalhes e cuidados quando feita, tinha bases fortes e paredes muito largas, eram pensadas para durar para sempre, resistir guerras e gerações. Se essa saudade vem de uma outra vida, eu devia ter gostado muito de vivê-la, pois esse sentimento de tranquilidade me invade ao passar num lugar assim.
O mundo anda como um carro desenfreado, ou um rio de correnteza forte, onde a única imagem avistada está à nossa frente, dos lados é um borrão bem grande, não da tempo de ver nada, não tem detalhes e nada é para sempre. Não da tempo de ler um livro duas vezes, ou decorar poemas, existem tantos para ler e não há tempo a perder... Não da para assistir um filme muitas vezes, eles são lançados com uma velocidade que a gente mal consegue acompanhar todos os títulos, que dirá assistí-los... Temos vários gravados em casa, mas que nunca são inseridos novamente ao aparelho de DVD, existem novos para vermos... Perco meu tempo lendo um livro que não gostei tanto ao invés de reler o que amei, mas assim mesmo continuo lendo novos livros, que estão se acumulando na estante... Os blogs são os exemplos perfeitos  desse pós modernismo, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e você fica feliz por conseguir ler alguns textos atuais, mas alguém já clicou num texto antigo para reler? Alguém está interessado no começo das coisas ou estamos loucos e viciados para saber o próximo capítulo, o fim?
Sinto saudades de ver o mesmo filme mil vezes e decorar as falas, como fazia quando tinha aquelas 3 fitas de video com os filmes "Romeo e Julieta", "Grease" e "Apostando no amor", na minha adolescência, ou de ler e reler mil vezes os poemas de Álvares de Azevedo e as músicas de Vinícius, suspirando e sentindo cada palavra tocar meu coração, naquela tristeza profunda e apaixonante de ser adolescente sonhando com o amor. A felicidade que era comprar um disco de vinil, que tocava mais mil vezes antes de vir um novo, curtir algo por um tempo e conhecê-lo em detalhes...
Vou nadando com a corrente, seguindo o fluxo para não ser esmagada, afogada, pisoteada, mas gostaria de puxar um freio, desacelerar um pouco, só um pouco, ter o tempo de olhar dos lados e enxergar além dos borrões que a velocidade me proporciona. Os borrões são bonitos, mas o que estaria escondido nessa paisagem? Algo importante que não consigo enxergar? O sorriso do meu filho? Um abraço?
Talvez nessa ruazinha essa paradinha aconteça, talvez seja um pequeno portal para o mundo dos detalhes... Alguém me disse uma vez, uma amiga brasileira que também tem suas visões quando passa por aqui, que a Hungria é um lugar mágico... Pode ser, aqui tudo é possível, basta olhar além do borrão.
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